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Claudinei Poleti: Advogado Especializado em Agronegócio
Barter significa permuta, troca, “escambo”. Enfim, semântica ou estrangeirismo à parte, o “barter” é, sem nenhuma margem de dúvida, um dos mecanismos de maior importância e relevância para o fomento do agronegócio no Brasil. Não sei o momento exato em que esse sistema de negociação, com esse nome, começou a ser implementado. Mas, com certeza, ganhou força no início dos anos 2.000, especialmente em Mato Grosso, estendendo-se rapidamente para todo o país.
Um dos maiores anseios dos produtores rurais em meados da década de noventa era a “equivalência produto”, que consistia em atrelar os financiamentos bancários a determinado produto agrícola, evitando, com isso, os gigantescos descasamentos que, em regra, culminavam com a necessidade de quantidade maior de produto para quitação dos débitos, consideradas as datas de contratação e quitação. Esse mecanismo chegou a ser aplicado, mas não prosseguiu por muito tempo, em razão das inúmeras dificuldades, especialmente em relação à precificação das commodities, efetivadas pelo preço-mínimo, o que é quase (quase!!!?) uma ficção.
Foi aí que o setor privado (sim, ele é muito relevante para o agronegócio, o que não significa que o Governo deva ser excluído do processo) criou esse mecanismo que atendia perfeitamente aos anseios dos produtores e dos próprios financiadores. De construção simples, o “barter” rapidamente dominou as transações comerciais entre produtores e fornecedores. Popularizaram-se os famosos “pacotes”, que poderiam incluir desde sementes, fertilizantes, químicos e, em alguns casos, até óleo diesel e despesas operacionais.
Por ser uma criação puramente negocial, o “barter” nunca teve uma forma específica ou instrumentalização definida. Como regra, é detalhado no campo de observações do “pedido mãe” que o fornecedor emite e o produtor assina. No início eram aqueles “blocões” com algumas vias “conectadas” por papel-carbono (para os mais jovens, era uma folha que continha tinta num dos lados e, com a pressão da caneta, “copiava” o conteúdo paras as demais). Mas isso é irrelevante (nem sei por que tá aqui, já que isso tá ficando muito extenso).
O que importa é que o “barter”, além de não ter forma definida, pode ser feito de várias formas, com várias maneiras de contratação. Com garantia, sem garantia (“clean”, para usar um terno da “Avenida”), com contrato específico, sem contrato específico e assim por diante; para entrega imediata dos insumos (raríssimo, mas possível) ou para entrega parcelada de insumos.
Pois bem! Em 2020, com a sanção da “maravilhosa” (claro que é ironia) Lei 14.112, foi alterado o artigo 11 da Lei 8.929/94, que passou a ter a seguinte redação: “Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto”.
E o “barter” finalmente debutou em nossa legislação, embora de maneira um tanto quanto confusa, para se dizer o mínimo. Inicialmente, é estranho que num sistema positivista como o nosso, onde os institutos jurídicos são minunciosamente descritos e sua extensão perfeitamente delineada, a norma em questão tenha apenas mencionado “barter” única vez, sem maiores considerações.
Fato é que, dizem que a pedido de alguns setores (dizem, OK!), o artigo da lei pretendeu excluir de eventuais recuperações judiciais, as CPRs físicas, com origem em “barter” ou adiantamento do preço, total ou parcial. E é exatamente essa a extensão da norma, nem mais nem menos.
Se os produtos das CPRs são ou não essenciais, bens de capital etc., já é outra questão. O que se quer estabelecer aqui é que o “barter” somente é extraconcursal quando lastreado por CPR física e, evidentemente, somente em relação ao emitente (produtores, cooperativas de produtores rurais, associações de produtores etc.).
Dessa forma, por interpretação lógica, o “barter” sem garantias (“clean”), garantido por CPRF, penhor constituído por outro documento que não a CPR, formalizado apenas pelo pedido, pedido e nota fiscal, com ou sem duplicata, é crédito concursal, isso, evidentemente, visto pelo lado do emitente.
Há, ainda, o outro lado do “barter”, que é justamente o fornecedor. Como a lei, que dizem foi feita por encomenda (putz! isso já foi dito) não levou esse fator em consideração e como o “barter”, que é ato bilateral e por isso gera também obrigações para quem se compromete a entregar, esse débito, no “barter” com entrega futura (quase a totalidade), é, em eventual pedido de recuperação judicial do fornecedor, concursal, indubitavelmente.
Obviamente que se o legislador quisesse excluir a operação de “barter” das recuperações judiciais, teria dito expressamente (ou deveria ter dito), que as operações de “barter” são extraconcursais. Será que isso se deve à pressa, ou simplesmente ao fato de que aqueles setores que dizem ter exigido a inclusão desse artigo esqueceram que a recuperação judicial pode, hipoteticamente, ser requerida por qualquer dos “players”?
Assim, numa situação hipotética (totalmente hipotética), se um fornecedor que contratou operações de “barter”, tem deferido o processamento da recuperação judicial antes de cumprir sua parte no acordo, esses débitos não poderão ser adimplidos antes da aprovação do PRJ, sob pena de lesão aos demais credores.
Sim, é possível, sempre falando por hipóteses, que dezenas, centenas e até milhares de produtores sejam lesados com isso e isso, evidentemente, imaginando que no nosso caso hipotético, o fornecedor quisesse e pudesse cumprir com as entregas de produto (hipótese de o fornecedor não querer cumprir sua obrigação não se aventa nem por hipótese).
O assunto é mais complexo e poderia causar celeumas infindáveis, isso quando e se houver algum caso concreto, mas é preciso atenção para esse fato, tão óbvio, afinal por maior elasticidade que possa haver na interpretação da norma, não há como atribuir-lhe algo que não foi previsto, sequer cogitado.
Aguardemos!!!
Claudinei Poleti: Advogado Especializado em Agronegócio