Chapadão do Sul/MS

 ARTIGO – FIAGRO e a Venda de Imóveis Rurais para Estrangeiros. Discussão joga “gasolina” sobre normas do Estatuto da Terra relativas ao arrendamento rural.

Claudinei Poletti / Advogado

        A lei que instituiu os “FIAGRO” – Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais -, de número 14.130/2021, já é realidade e começa a sair da esfera teórica para a prática. Há poucos dias, a B3 aprovou a proposta 476 da Galápagos, instituindo o primeiro Fundo, para investidores profissionais, com o objetivo de financiamento ao setor, especialmente através da emissão de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), que tem previsão inicial de captação de cinquenta milhões de reais, podendo chegar a quinhentos milhões de reais.

            Já me manifestei anteriormente a respeito da nova modalidade, que vai muito além de captação de recursos para o fomento da atividade, e, sim, é extremamente positiva.

            No entanto, como estamos no Brasil e por aqui a prática de inserção de regras estranhas ao objetivo principal da norma, com foco na alteração de outras normas existentes, pela via transversa, é extremante comum e conhecida pelo público geral como “jabutis”, a Lei do FIAGRO joga gasolina na discussão sobre normas cogentes do Estatuto da Terra, relativas ao arrendamento rural.

            Enfim, esse não é o foco de hoje. Como mencionei antes, os Fundos devem ir além da captação de recursos para financiamento do agronegócio e podem, também, ser arrendatários ou proprietários de imóveis rurais, através de aquisições ou de integralização de cotas.

            Surge daí outro inevitável questionamento: como fica a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros?

            Antes que se diga que os “FIAGRO” serão constituídos no Brasil e, portanto, são empresas brasileiras, sujeitas às regras brasileiras, e, dessa forma, terão liberdade total para comprar e vender imóveis rurais, sem restrições, é preciso lembrar que o Parecer 01/2008 RVJ, da Advocacia Geral da União, que foi aprovado pelo Presidente da República e, portanto, tem caráter normativo e vinculante, submete a venda de imóveis para empresas que, ainda sendo nacionais, são controladas por estrangeiros aos controles previstos na Lei 5.709/71 e 8.629/93, que impõem limitações tanto para a venda quanto para o arrendamento desse tipo de imóvel.

            Por outro lado, a “Lei do Agro”, que possui mais jabutis que todos os zoológicos brasileiros somados, em seus artigos 51, que alterou o parágrafo segundo do artigo primeiro da Lei 5.709/71 e 52, que alterou o parágrafo quarto do artigo segundo da Lei 6.634/79, em específico na parte que permite a “dação em pagamento” de imóveis rurais para quitação de débitos com garantia de alienação fiduciária de bens imóveis ou de patrimônio rural em afetação, na minha opinião, acabou com qualquer restrição. A norma me parece inconstitucional, eis que afronta o artigo 190 da Constituição Federal, que estabelece que a lei regulará e “limitará” e não “expandirá”, como fez a norma. Porém, essa também é outra questão e a regra da “Lei do Agro”, no momento, está vigente.

            Mais recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2963/2019, de autoria do senador do Tocantins, Irajá Silvestre Filho, que está na Câmara do Deputados, para apreciação e votação e que, pode-se dizer, estabelece um meio-termo entre a regra vigente mais restritiva e a “Lei do Agro”, totalmente liberatória.

            Fato é que, neste momento, não há como se cravar qual norma prevalecerá e se as que estão vigentes são ou não aplicáveis ou constitucionais e isso nos remete a outro instituto nacional, a insegurança jurídica.

            Enfim, é preciso que o assunto seja efetivamente e amplamente debatido, para que não haja novas surpresas ou mais “jabutis”. Se deixarem por conta exclusiva dos “Faria Limers”, esses novos condutores do agronegócio brasileiro, sob os auspícios dos Ministro da Economia, certamente o “mercado” esse deus poderoso e incontestável, determinará os rumos não somente do agronegócio, mas do próprio solo brasileiro.

            Desconsiderar a função primeira do agronegócio, que é produzir alimentos, convertendo ou reduzindo-o a mero agente coadjuvante do mercado financeiro, a “ativos financeiros”, como querem e estão fazendo os “Faria Limers”, com a inexplicável condescendência de grande parte do setor, não tem precedentes no mundo.

            Por falar em mundo, o Brasil mantém outra tradição, para além dos jabutis, que é a de andar na contramão.  Enquanto os Estados Unidos, que, mesmo governados por Biden, do partido Democrata, que possui mais afinidade com os chineses, proibiu a venda de imóveis rurais para os asiáticos, no Brasil há pressão para que se “libere geral”.

            Esquecer essa importante questão geopolítica, de que a China é uma ditadura partidária, poderá fazer que num futuro não muito distante, os próprios “Faria Limers” se arrependam amargamente de tratá-la como uma economia de mercado e, pior, como se fosse uma democracia.

            Quem garante que o sucessor do Xi Jinping, ou ele próprio, depois de ser dono de terras, rodovias, ferrovias e portos, não resolva agir à sua maneira? Sim, poderá fazer isso sem, necessariamente, infringir normas vigentes, ao menos as atuais.

            Assim, em que pese ser positiva a entrada de capital estrangeiro para financiamento do agro, é imperioso que os critérios relativos à ocupação de terras produtivas, via arrendamento ou através da compra, sejam melhor definidos, sob pena de falarmos mandarim antes da próxima década.

Claudinei Poletti / Advogado

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