Chapadão do Sul/MS

ARTIGO – Ainda sobre Recuperação Judicial. cada vez mais produtores rurais se socorrem do instituto jurídico

Claudinei Antônio Poletti – Advogado

Há algum tempo um assunto é debatido, tanto no âmbito do Judiciário quanto na imprensa e entre especialistas e demais atores do agronegócio brasileiro, que é o uso da recuperação judicial por produtores rurais.
Como todo assunto polêmico, não há certos ou errados, melhores ou piores, bons ou maus. O que se vê são pontos de vista antagônicos, partindo da mesma premissa ou de premissas diversas, mas sempre tendo como fundamento o fato de que cada vez mais produtores rurais se socorrem do instituto jurídico que, no contexto das normas brasileiras é relativamente novo, eis que fará duas décadas no próximo ano.
E são duas décadas de turbulências, com diversas alterações, algumas sutis outras profundas, como a ocorrida em 2020, que praticamente criou lei nova dentro da lei vigente. E há um PL em análise no Congresso, proposto no início deste ano, que, se aprovado, mudará praticamente tudo o que está vigente, mais uma vez.
Sem entrar no mérito da norma vigente ou da que está em análise, fato é que não existe convicção alguma em relação a dois dos mais importantes institutos atinentes à atividade econômica do país, que são a falência e a recuperação judicial. Diga-se que ambos têm relevância no mundo, ao menos no mundo democrático.
E se não há convicção em relação ao todo, relativamente ao agronegócio há profundo desalinhamento, o que acarreta normas que não atendem adequadamente nenhum dos lados (aquele que requer de um lado e os credores do outro).
Isso tem uma explicação técnica: a Lei de Falências anterior, o Decreto-Lei 7661/1945, que tratava apenas da falência e da concordata (excluída pela Lei 11.101/05), não previa expressamente a possibilidade de produtores rurais se socorrem da norma, em caso de dificuldades.
Com o advento da Lei 11.101/05 e a criação da recuperação judicial, essa possibilidade passou a existir, ao menos em tese. Porém, os produtores rurais, inicialmente, não buscaram amparo na RJ, por várias razões, mas especialmente porque a norma ainda não previa expressamente essa possibilidade. O assunto somente passou a ter relevância lá pelos idos de 2014, 2015, quando começaram a, efetivamente, surgir casos concretos de produtores rurais requerendo o processamento de recuperações judiciais.
E, desde aquela época, questionamentos diversos, que acabaram tendo grande repercussão, especialmente sobre a possibilidade ou não da contagem do prazo mínimo
de atividade para os produtores que operavam apenas na pessoa física, que, diga-se, representavam, e ainda representam, a imensa maioria dos produtores brasileiros, independentemente do tamanho (micro, pequeno, médio, grande, mega, sem exceções), por razões meramente fiscais.
Essa discussão teve um marco relevante no julgamento, em 2019, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial número 1.800.032/MT, onde ficou estabelecido, em linhas gerais, que o registro do produtor na Junta Comercial é ato meramente declaratório e que, portanto, para efeitos de cômputo do tempo de atividade, o exercício na “pessoa física” seria considerado e, evidentemente, os compromissos firmados nessa modalidade, incluídos na recuperação judicial.
Após, com o advento de Lei 14.112/20, a possibilidade de inclusão dos débitos contraídos na “pessoa física” e, evidentemente, a inclusão do exercício da atividade naquela modalidade para efeitos de contagem do prazo mínimo de dois anos, necessários à elegibilidade para o pedido de recuperação judicial, passou a ser positivada.
Muitos atribuem a esse fator o aumento nos pedidos de RJ de produtores rurais. Penso que, a despeito de o assunto ter tido bastante repercussão, esse não foi o fator preponderante, haja vista que, antes mesmo da vigência da norma atual e mesmo anteriormente à decisão do STJ mencionada acima, a maioria dos juízes de primeira instância e dos Tribunais Estaduais, já admitiam o processamento, computando o prazo e os compromissos assumidos no exercício da atividade, independentemente da modalidade em que era exercida.
Além disso, e isso falaremos com mais detalhes noutra oportunidade, se por um lado ficou expressa a possibilidade de inclusão dos compromissos assumidos na pessoa física, por outro, inúmeras operações, a maioria corriqueira para os produtores rurais, foram excluídas das recuperações judiciais, o que, ao menos em tese, trouxe muito mais dificuldades do que a “facilidade” trazida pela inclusão da “pessoa física”.
O que, na minha opinião, tem sido preponderante para o aumento de pedidos de recuperação judicial é a alavancagem do setor como um todo, que está em níveis jamais vistos e não apenas em números absolutos, mas, especialmente, na relação direta entre a geração de receita e percentual de endividamento.
Volta-se aí na questão que abordei na semana passada, ou seja, a decisão de pedir recuperação judicial ou não ou, ainda, de tomar qualquer outra medida com vistas à
solução da crise particular, é de cada um, sem nenhuma possibilidade viável de terceirização do problema.
E isso se dá ainda que a decisão individual possa a ter mais ou menos reflexos no setor como um todo. Muitos afirmam que o aumento de pedidos de recuperação judicial pelos produtores rurais tem como reflexo imediato o aumento dos juros e a retração da oferta de crédito, o que faz sentido, afinal o dimensionamento dos riscos é feito por quem detém o dinheiro para emprestar.
Por outro lado, somente quem está em dificuldades é que deve decidir o que fazer, e aí é irrelevante a razão pela qual está nessa situação, até porque, assim como ocorre na aviação comercial onde uma queda jamais tem fator único como causa, as crises sempre têm mais de uma causa.
Há de se convir, por outro lado, que produtores rurais em dificuldades financeiras têm poucas opções viáveis de solução, limitando-se duas ou três. Por isso, a questão vai para além de se colocar como premissa básica eventual hecatombe no setor, mas sim o que todos os elos da cadeia (sempre exaltados em tempo de bonança) podem fazer.
Se os credores, especialmente os de empréstimos em dinheiro, começassem a, efetivamente, ouvir os produtores, a fim de equalizar as situações de forma individual, certamente muitos pedidos de recuperação judicial seriam evitados. Mas essa é apenas minha visão dos fatos, não necessariamente uma sentença definitiva, longe disso.
Claudinei Antônio Poletti – Advogado

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