Chapadão do Sul/MS

ARTIGO – A Lei do FIAGRO e o Impacto nos Arrendamentos Rurais. Perigoso é confundir liberalismo com entreguismo.

Claudinei Antônio Poletti  – Advogado

      No Brasil, o arrendamento e a parceria “são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra”[1]. São, portanto, contratos agrários típicos, com regulamentação específica, através do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e seu Regulamento, o Decreto 59.566/66. Voltando no tempo, em meados da década de 1960, deixando questões políticas à parte, o Brasil, e isso somente décadas depois pode-se comprovar, começou a gestar o que viria a ser uma das maiores potências agrícolas do mundo, com grandes possibilidades de se tornar a maior, no curto prazo.

À época, embora mais de cinquenta por cento da população brasileira vivesse no campo, o Brasil não tinha expressão alguma na produção de alimentos, sendo coadjuvante no cenário mundial, eis que éramos importadores de uma grande gama de produtos primários, o que, aliás, perdurou até não muito tempo. Em razão disso e considerando a necessidade premente de exploração da imensidão de terras existentes, foram criados mecanismos com vistas à viabilização, sendo os principais (mas não apenas) as normas citadas no preâmbulo, o Estatuto da Terra e seu Regulamento.

Novamente contextualizando, não seria possível a ocupação de áreas longínquas, sem que se criassem benefícios aos que se aventurassem. Dessa maneira (de forma muito superficial, vez que havia outros fatores), as normas criadas estabeleceram regras restritivas, com vistas a evitar a exploração dos agricultores pelos proprietários dos imóveis.

Nesse contexto, evidentemente que os arrendatários e os parceiros agricultores, eram hipossuficientes e, portanto, carecedores de proteção estatal. Dessa forma, há, inquestionavelmente, o que em direito se chama de dirigismo contratual no arrendamento e na parceria, que, grosso modo, equivale a dizer que há limitações na vontade das partes quando da contratação, vez que, como dito, as leis que regem a matéria possuem regras cogentes, que não podem ser contrariadas, dentre as principais, a vedação de estipulação de prazo menor dos que estão estabelecidos na Lei e a necessidade de notificação prévia e motivada para retomada do imóvel pelo proprietário, mas não somente essas.

 Chegando ao presente, pode-se dizer que as normas criadas na década de 1960 ainda vigem, com poucas alterações em relação à redação original, o que, e para essa conclusão não é necessário o uso de muitos neurônios, equivale dizer que as normas ainda são pertinentes.

Contudo, verifica-se cada vez mais um levante, especialmente dos “agraristas de escritório” ou os “agraristas da Faria Lima”, no sentido de incutir no legislador e no próprio Judiciário, a ideia de que a legislação agrícola está ultrapassada e que precisa de reformas radicais, o que, aliás, em grande medida já está sendo feito, mas esse é outro tema.

Segundo os “especialistas” está tudo errado e especificamente em relação ao arrendamento e à parceria (rurais), não faz mais sentido se falar em hipossuficiência do arrendatário ou parceiro produtor, pelo que, as partes devem se submeter às regras do Código Civil, que, inclusive, foi alterado recentemente pela Lei 13.864/19, a Lei da Liberdade Econômica, que estabelece a intervenção estatal mínima.

Não estou dentre os que defendem a intervenção estatal, pelo contrário.  Entretanto, as peculiaridades de setores da economia e das várias regiões do país, não podem ser ignoradas em nome de interesses nem sempre confessáveis em voz alta.

Serem os arrendatários e parceiros rurais hipossuficientes em relação aos proprietários, não é o cerne da questão, eis que a hipossuficiência é relativa ao insumo, ou seja, quem possui a terra sempre estará em condições de superioridade em relação àquele que não a possui, independentemente das condições financeiras de cada um.  Por isso, uma mudança abrupta nas relações contratuais, certamente causará mais problemas do que os que existem atualmente, eis que, como dito antes, o sistema funciona a contento.

Pois bem. Em março deste ano foi sancionada a Lei 14.130/21, que após vetos e derrubadas parciais de vetos, foi promulgada e está em vigor. Referida Lei altera a parte da Lei 8.668/93, criando osFundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), aplaudido por muitos e de inegável valia (falaremos disso noutra oportunidade).

O que está causando discussões de grande monta no meio jurídico, no entanto, é o parágrafo segundo do novo artigo 20-A da Lei 8.668/93, que estabelece que “no arrendamento de imóvel rural pelos Fiagro, prevalecerão as condições livremente pactuadas no respectivo contrato”.

Como é comum nas normas brasileiras, questões com potencial bombástico, são inseridas fora de contexto ou como secundárias, mas que, quando começarem a ser aplicadas na prática, podem alterar todo o sistema vigente. De plano, há que se fazer alguns questionamentos: (i) houve revogação tácita do Estatuto da Terra para as relações contratuais de arrendamento dos FIAGRO?; (ii) as condições livremente pactuadas, abrangem todas as cláusulas ou somente as não vedadas pelo Estatuto da Terra?; (iii) se as regras cogentes não se aplicam aos FIAGROS, como ficam as relações entre àqueles que não se enquadram na modalidade?; (iv) se as regras se aplicam apenas aos FIAGROS, os que não se enquadram na modalidade poderão arguir igualdade de tratamento?              

Enfim, não há nenhum consenso até o momento, longe disso, e, ao que parece, esta é mais uma daquelas regras que veio para confundir, não para elucidar. Na minha opinião, a regra é incompatível com a grandiosidade do agronegócio, onde existem pequenos, médios, grandes e mega arrendatários e, especialmente, onde há um sistema que embora longe da perfeição, funciona há mais de cinco décadas.

Perigoso é confundir liberalismo com entreguismo.  A se conferir. 

Claudinei Antônio Poletti

Advogado                            


[1] Artigo 1° do Decreto 59.566/66, O Regulamento do Estatuto da Terra.

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