Claudinei Poletti
Advogado e Escritor
No dia 1° de outubro de 2021, o Presidente da República emitiu o Decreto número 10.828, “que regulamenta a emissão de Cédula de Produto Rural, relacionada às atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e de seus biomas”, de acordo com o estabelecido no § 2° do artigo 1° da Lei 8.929/94. Imediatamente o Decreto ficou conhecido como o “decreto da CPR Verde”, pela obviedade da matéria de que trata.
Em linhas gerais, o proprietário de imóvel rural que preservar uma área de vegetação nativa em sua propriedade ou recompor a vegetação, por conta própria ou por meio de investidores, poderá emitir a CPR-V, sendo que, em ambos os casos, deverá quantificar a área de preservação, o modelo de preservação, os métodos empregados e afins, com vistas a definir o valor do produto final, ou seja, o valor dos serviços ambientais.
Embora o pomposo nome e a inegável boa intenção, a CPR-V suscita debates e dúvidas jurídicas desde a publicação do Decreto, sendo a principal a impossibilidade de quantificação específica do “produto” que será objeto da CPR ou, ainda, a inexistência física do produto, o que subverteria a finalidade da Cédula e alteraria sua natureza jurídica. Tem-se uma hipótese absolutamente inovadora em relação à CPR e à CPR-F, eis que, em regra, será emitida com base em serviços.
Entretanto, questões jurídicas não serão objeto desta análise, eis que o tema ainda é incipiente e tanto a academia quanto o mercado financeiro (destinatário dos títulos) e, certamente, em última instância, o Poder Judiciário, regulamentarão e validarão ou não, e, se validada, definirão a extensão da aplicabilidade prática do título, que, como todas as modalidades de CPR, é um ativo financeiro. Regulamentar e, especialmente, remunerar de forma justa quem preserva o meio ambiente, é uma necessidade premente. Na verdade, o mundo todo exige que preservemos nossas florestas e, mesmo sendo as mais preservadas do planeta, somos criticados a cada incêndio.
No entanto ninguém, absolutamente ninguém, propõe seriamente uma forma de remunerar quem preserva. Não se trata, também, de adentrar em questões espinhosas como a extensão das queimadas na Amazônia ou no Pantanal, vez que esse assunto instiga paixões em ambos os espectros políticos que polarizam o país no momento. Porém, é fato inconteste que desmatadores e destruidores do meio ambiente, não são, na maciça maioria, agentes do agronegócio. Tanto produtores agrícolas quanto pecuaristas, há muito têm a preservação do meio ambiente como norma de conduta.
Até as girafas da amazônia sabem que não são os agricultores e pecuaristas que desmatam a floresta, mas, sim, madeireiros e garimpeiros ilegais. Não existem girafas na Amazônia? Estranho, a Hosana de Lima e a Annita garantiram que existem. Enfim, se não existem girafas, até as castanheiras da Amazônia sabem quem são os verdadeiros desmatadores. Fato é que a preservação do meio ambiente pelos agentes do agro é inconteste e somente dementes como Macron (aquele que condena a soja produzida na Amazônia) afirmam não existir.
Certo, mas preservar custa caro e, especialmente, é uma limitação ao direito de propriedade. Ora, na Amazônia, para ficar no caso mais famoso, é obrigatória a preservação de oitenta por cento de qualquer propriedade. Por dedução lógica, o proprietário só tem o direito parcial (mínima parte) de usar, gozar e dispor da coisa (artigo 1.228 do Código Civil), sendo que no restante (parte maior), além de não poder exercer os direitos inerentes à propriedade, ainda tem o dever de cuidar.
Ademais, eventuais danos ao meio ambiente são puníveis civil e criminalmente. Alguém com certidão positiva no IBAMA já tentou vender soja para uma trading? Dessa forma, por uma questão básica de senso de justiça, se o descumprimento das regras de preservação deve gerar ônus, inclusive patrimoniais, a preservação deveria gerar, como contrapartida, ganhos, ou, no mínimo, ressarcimentos. Não é isso que se verifica na prática, o que impõe aos proprietários de imóveis rurais duplo ônus, o de preservar e o de limitar seu direito à propriedade.
A institucionalização do um título de crédito para viabilizar recursos para quem preserva, é um começo, ainda que se tenha iniciado a casa pelo telhado, haja vista que o ideal seria, primeiro precificar a preservação, para, depois, criar um título de crédito para dar lastro. No entanto, pode ser aplicado aqui o um provérbio chinês (não é teoria da conspiração, juro), que diz que “uma longa caminha começa com o primeiro passo”. A se conferir.
Claudinei Poletti
Advogado e Escritor