Claudinei Antônio Poletti – Advogado
Proponho o seguinte: vamos sair um pouco da discussão acerca de se há ou não uma crise no agronegócio brasileiro, quais são suas causas, consequências e soluções, quando tratado o setor com um todo, em sentido macro. Vamos tratar do produtor isoladamente, seja ele grande, médio, pequeno etc. Aquele que, também não importa a razão, está, sim, passando por dificuldades. Aquele que, ao se confrontar com o único consultor realmente verdadeiro e confiável, o travesseiro, chega à conclusão de que sua situação está muito, mas muito difícil.
Aquele que olha para o futuro e vê névoas. Se tudo der certo, se a safra for boa, com preços em níveis razoáveis, conseguirá, no máximo, pagar os juros da dívida que já se arrasta há algum tempo, depois de novas peregrinações para emissão de novas cédulas para pagar as que estão por vencer e assim por diante.
E, se uma das premissas para que o cenário descrito acima se concretize falhar, ainda que a maioria delas independam da sua vontade? Nesse momento é melhor abandonar o bom e velho “consultor”, ir para a televisão assistir uma boa série e esperar o novo dia.
Não, a Netflix não é a solução para endividados, mas certamente fará com que aquela noite em que o travesseiro insistiu em falar verdades inconvenientes passe mais rápido, afinal, na manhã seguinte, a vida deverá seguir seu fluxo.
Enfim, há muitos (muitos, mesmo) produtores nessa situação e para eles posso afirmar com absoluta convicção que: (i) não há uma solução mágica, nenhuma; (ii) não haverá uma saída indolor; e (iii) a solução, ou a falta dela, é pessoal, intransferível.
Quando leio que, por um lado, há os que defendam que o pedido de recuperação judicial (para ficar em um exemplo que está na moda) resolverá todos os casos, de maneira simples ou que, por outro lado, as recuperações judiciais estão acabando com o crédito no agronegócio, me pergunto quais seriam as reais intenções, tanto de uns quanto de outros.
Fato é que, detectada pelo travesseiro (e serve tanto para aqueles analisam complexos gráficos quanto para os que rabiscam sua situação mentalmente), esse já mencionado infalível consultor, que a crise existe, que é real e que algo deve ser feito, é preciso que, parafraseando aquele já falecido ministro militar, o produtor inicie dizendo: “às favas todos vocês”[1].
Se a solução será a venda de patrimônio, pedido de recuperação judicial, prorrogação dos débitos juntos aos credores (também há os que apontem essa como a solução mágica), recuperação extrajudicial, parceiras, a saída definitiva da atividade (é uma solução, drástica, mas pode ser a única solução), ou ainda, a manutenção da situação como está, ou seja, “pedalando” as contas, apostando num ano excepcional para tomar fôlego novamente, é uma decisão sua, com ou sem aconselhamentos, mas exclusivamente sua e, a partir daí, há que se fazer tudo para colocá-la de pé.
Tem-se aí a constatação da primeira afirmação que fiz: “não há solução mágica”.
Também começa a se concretizar a segunda afirmação: “não há saída indolor”. nenhuma das soluções que descrevi acima (e qualquer outra não listada) será fácil, simples, “mágica”. Haverá, sim, dor, dificuldades, incertezas. Haverá momentos em que, ainda que a saída encontrada tenha parecido a melhor no momento da decisão, as dúvidas de que se aquele realmente era o melhor caminho surgirão e, nas mais das vezes, aquele velho consultor entrará em ação, requerendo aí a “mágica” solução momentânea da Netflix. Nesses momentos, a convicção deverá mandar “às favas” as dificuldades, mas jamais ignorá-las.
Por fim, o que reputo ser o mais importante: “a solução é pessoal, intransferível”. É o velho adágio popular: “cada um sabe onde o calo aperta”. Tomar uma decisão que pode alterar completamente o rumo da sua vida com base no que isso acarretará para o “futuro do setor”, ou, pior, com base no que “os outros vão dizer” ou pensar, é, antes de tudo, uma insanidade.
E não se trata de egoísmo, mas sim de ter a consciência de que você sabe o que se passa com você e somente você pode resolver a situação.
Li há pouco que, ao pedir recuperação judicial (de novo ela), o produtor atravessa uma ponte e a detona, não podendo mais voltar. Dos mesmos produtores de: “temos mecanismos modernos de financiamento, com juros atrelados ao CDI, que, por sua vez, é atrelado à Selic”. Tirem suas conclusões.
No fim do dia, e para o produtor isso normalmente significa um dia de muito suor, é você quem sabe das suas dores, dos seus problemas, de quanto determinada atitude irá lhe custar, não apenas em termos financeiros, mas de todo o contexto inserido nas suas questões, suas emoções e, sim, do seu futuro.
[1] A frase correta é: “às favas todos os escrúpulos de consciência” e foi dita por Jarbas Passarinho ao assinar o AI 5.
Portanto, se alguém lhe disser que tem uma solução mágica, indolor, infalível e simples, desconfie, assim como desconfie de quem diz que determinada solução acabará com o setor, fará com que você jamais volte ao estado original, que te transformará em párea, ou que, simplesmente, ele tem outra solução mágica, oposta àquela magia anteriormente falada.
Claudinei Antônio Poletti – Advogado
[1] A frase correta é: “às favas todos os escrúpulos de consciência” e foi dita por Jarbas Passarinho ao assinar o AI 5.
(Foto ilustração Google)