Claudinei Antônio Poletti – Advogado
E se de repente você se deparasse com o seguinte dilema: “o que você julga ser uma grande qualidade passa a ser visto pelos outros como um grande defeito”. Certo, agora vamos adentrar na mais profunda e complexa filosofia de boteco? Vamos debater, criticar, analisar a profundidade de um “dilema” típico da quinta série?
Não é bem isso e o dilema talvez não seja exatamente esse ou, quem sabe, não haja dilema algum, apenas uma forma (bem 5ª série, é verdade) de abordar um assunto que anda em voga ultimamente.
Quando se fala em crise no agronegócio brasileiro, uma questão tem intrigado àqueles que não são muito familiarizados com setor, que é a clara e incontestável pujança no campo. O agronegócio cresce ano a ano em números absolutos, quer em volume produzido quer em valores movimentados.
Pela definição clássica de crise, esses indicadores refletem o oposto, ou seja, há pujança. Teoricamente, ninguém, e isso vale para empresas, pessoas físicas ou mesmo para um setor inteiro, está em crise e, ao mesmo tempo, crescendo ano após ano, durante décadas.
É aí que entra o “paradoxo do agro” e para entender basta retroceder o tempo, metaforicamente, evidentemente. Na década de setenta do século passado, a agricultura começou sua expansão por áreas até então inóspitas. O Centro-Oeste começou a ser colonizado e, pouco tempo depois, o oeste baiano, seguido por outras regiões próximas, no que é hoje conhecido com MATOPIBA.
Vendo hoje, parece que foi fácil, afinal onde havia somente vegetação nativa existem belas cidades com toda infraestrutura, algumas com modernos centros médicos etc., mas é preciso lembrar que nos primórdios tudo “era mato” e somente pessoas com dose extra de coragem se aventuravam.
E essa é a principal característica dos produtores rurais desde então. Desbravar, ampliar horizontes, não retroceder jamais, não ter receio do que está por vir são fatores presentes no dia a dia dos agricultores. Basta ver os números, agora trazendo para a “era moderna”: no início da segunda metade da década de noventa produzíamos setenta milhões de toneladas de grãos, hoje beiramos trezentas milhões de toneladas e a expectativa é de que esse marco seja superado na safra 2024/2025.
Alguém em sã consciência pode afirmar que em quase trinta anos não tivemos nenhuma crise no agro porque o setor jamais parou de crescer? Tivemos muitas. Então é pelo
menos plausível dizer que a “pujança” no agro tem menos a ver com crises e mais com a resiliência dos produtores, que não se entregam jamais?
Porém, quando, como agora, começam a surgir situações que denotam que, sim, há excessivo endividamento no setor, com alavancagem recorde, com juros absurdamente elevados, com preços de modo geral em baixa, com produtores recorrendo ao Judiciário para não perderem tudo o que construíram no decorrer da vida, surgem, além de afirmações do tipo: “não há crise e crescimento ao mesmo tempo”, outras no sentido de que o “produtor não tem limites”, é irresponsável, só sabe acelerar etc., etc., etc.
E o mais estranho é que muitos produtores estão comprando a ideia de que estamos produzindo demais, aumentando demais as áreas de plantio, tem soja demais, milho demais, carne demais e, nesse ritmo, essas commodities jamais voltarão a ter preços compatíveis. É preciso frear, mas, evidentemente, essa atitude drástica tem que começar pelo vizinho, afinal, a culpa é dele.
Ora, o problema do mundo não é excesso de comida, mas falta de dinheiro da maior parte dos consumidores para comprar essa comida, entretanto, entrar nessa seara neste momento, equivaleria a sair da quinta série e ir diretamente para o pós-doutorado.
Fato é que a conclusão de que é preciso frear o impulso dos produtores há algum tempo saiu da “rádio peão” para a concretude das leis e como exemplo disso pode-se citar o § 9° do artigo 49 da LRF: “Não se enquadrará nos créditos referidos no caput deste artigo aquele relativo à dívida constituída nos 3 (três) últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como as respectivas garantias”.
Sem adentrar no mérito (ou no demérito) desse dispositivo, é inconteste que a compra de propriedades rurais é criminalizada e isso, evidentemente, reflete a opinião de que é preciso frear os impulsos agressivos dos produtores.
O que ninguém expressa em voz alta é o fato de que o agronegócio, na definição clássica, que engloba todos os elos da cadeia, precisa desses produtores “destemidos”, que beiram a irresponsabilidade, afinal, ainda que “crises” surjam no meio do caminho, todos os participantes ganham com essas “irresponsabilidades”. Ou será que tradings, bancos, cooperativas, fundos de investimentos e afins prefeririam um crescimento mais lento, moderado, onde os “malucos do agro” tivessem mais parcimônia e, claro, produzissem hoje cento e cinquenta milhões de toneladas de grãos?
Óbvio que não!
Dito isso, é possível concluir que: (i) a existência ou não de uma crise no agronegócio não pode ter como premissa o aumento da produção; (ii) o ímpeto desbravador dos produtores, que por vezes beira a irresponsabilidade, traz mais benefícios do que malefícios ao setor; e (iii) criminalizar ou tentar frear bruscamente esse ímpeto seria um enorme “tiro no pé”.
Assim, pode-se dizer que o nosso complexo dilema quinta série não é na verdade um dilema, haja vista que somente quem se tornou “especialista” em agronegócio diretamente de envidraçados escritórios pode achar que a expansão acelerada do setor produtivo é o problema e não sua solução, ainda que obstáculos sejam encontrados de tempos em tempos.
Claudinei Antônio Poletti – Advogado