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Claudinei Antônio Poletti – Advogado Especialista em Agronegócio
Existem situações difíceis de mensurar e, por vezes, de traçar comparativos. Assim, quando se tenta estabelecer que determinada situação é “a maior de todos os tempos” ou “a maior desde…”, nem sempre haverá precisão na afirmação. É evidente que, em certas ocasiões, é possível “precificar”, mas, noutras, a exatidão nem sempre será viável. Variáveis diversas, métricas diferentes em diferentes épocas, podem fazer com que determinada premissa aparentemente verdadeira, possa não o ser quando analisadas todas as demais premissas.
Dito isso e sem nenhum amparo científico, vou estabelecer uma posição que, como afirmei acima, pode ser desmentida com números, mas que em termos de percepção geral é absolutamente factível: estamos diante da maior crise que o agronegócio brasileiro já vivenciou, ao menos desde o final da década de cinquenta do século passado (1957), quando o termo foi cunhado por Davis e Goldberg.
A alavancagem, em números absolutos, é, de longe, a maior desde sempre. Em relação aos números relativos, seria preciso uma análise mais aprofundada e a disponibilidade de dados e de tempo, fatores que não possuo. Apenas para se ter uma ideia, em 2023, o agronegócio captou, entre financiamentos públicos e privados, cerca de 85% (oitenta e cinco por cento) de toda sua geração de receita. Definitivamente, essa conta não fecha, especialmente se considerarmos que as taxas de juros atualmente aplicadas, igualariam, no curto prazo, as premissas, ou seja, financiamento igual à receita. Nenhum setor, nem mesmo uma pessoa física, pode ser considerado saudável nesse cenário.
Mas o que aumenta a gravidade contextual é que “nunca antes na história desse país” (sim, foi proposital), houve tamanha crise de credibilidade no setor, nem de longe.
Explico! Nas crises anteriores que, por fatores diversos, levavam os produtores ao não cumprimento das obrigações assumidas, a “culpa” era atribuída exclusivamente àqueles que, após a pecha de maus pagadores, tinham suas dívidas executadas, com alguns resolvendo de alguma forma e outros tantos saindo da atividade, dando lugar para produtores mais eficientes. Com essa “oxigenação” o setor sempre andou para frente, jamais encolhendo.
Recentemente, no entanto, alguns produtores, pouquíssimos se considerado o todo, começaram a se socorrer da recuperação judicial, como forma de equalizar seus débitos e seguir em frente. Não demorou e a pecha de maus pagadores se estendeu aos
advogados, que, segundo o “mercado”, seriam os verdadeiros artífices de tamanha barbárie, posição essa corroborada por muitos outros advogados, “consultores” e até mesmo por dirigentes do setor primário.
Recuperação judicial passou a ser sinônimo de calote institucionalizado, e ainda é para alguns “especialistas”. Entretanto, com o pedido de recuperação judicial de um player que atua do outro lado da força, a situação está tomando um rumo totalmente diferente e não em relação à percepção do “mercado”, mas em relação à dura realidade, para além dos escritórios envidraçados.
Diferentemente das recuperações dos produtores, que atingem credores específicos e em número limitado, o que não significa que sejam desimportantes, a recuperação de uma das maiores distribuidoras de insumos e armazenadora de grãos do país, põe em xeque o sistema como um todo, cuidadosamente desenhado por seus pares.
Sem falar num eventual efeito dominó, com a passibilidade (eu disse possibilidade) de que outros gigantes enfrentem a mesma situação, há em curso duas situações até então inéditas, cujo desfecho ainda não tem previsibilidade, quais sejam: (i) os “bartes”, especialmente em relação à entrega ou não dos insumos e ao destino das CPRs que foram emitidas em garantia; e (ii) e os grãos armazenados pelo grupo empresarial em questão.
Em relação aos grãos, o prejuízo é imediato, haja vista que quem possui, ao menos fiscalmente, produto armazenado na empresa, não poderá vendê-lo e isso, em grande parte dos casos, ocasionará um rombo no fluxo de caixa (ainh!, os produtores não têm governança). A situação jurídica é de tal forma complexa, que melhor nem começar a falar sobre ela nesse momento.
Relativamente aos “barters”, certamente os produtores ainda têm tempo de se socorrer com outros fornecedores, mas, em prevalecendo o posicionamento atual dos tribunais, deverão entregar os produtos comprometidos através de CPR ou pagarem o equivalente (CPRF), ou seja, se tudo der errado, e as probabilidades são enormes, terão o custo com insumos multiplicado por dois.
Ora, se o custo já está proibitivo, não é difícil imaginar como ficará nessa situação. E quando, em razão dessa situação, esses produtores tiverem que se socorrer de recuperações judiciais, o mercado manterá sua posição de falta governança, de que são caloteiros, pura e simplesmente e que são, nas mais das vezes, assessorados por advogados inescrupulosos?
Fato é que não se trata de situação específica, pontual. Trata-se de um fator que, sozinho, abalou as até então inabaláveis estruturas de quem sempre colocou como falível apenas um lado.
Mais que isso, escancarou para todos, inclusive para os próprios produtores, que são aterrorizados com as constantes ameaças de falta de crédito, que o setor privado, embora fundamental, importantíssimo, não pode ser o “controlador” da situação, é preciso que o Governo mantenha certa dose de intervenção e, especialmente, que mantenha o nível de investimento no setor produtivo, compatível com o retorno proporcionado (sem contar a esquecida segurança alimentar), como ocorre em todo o mundo democrático e capitalista. (imagem youtube.com)
Claudinei Antônio Poletti – Advogado Especialista em Agronegócio