Chapadão do Sul/MS

DECISÃO do STJ sobre cooperativas e Recuperação Judicial é o mesmo que “estabilidade” de técnico de futebol no Brasil. Justiça na contramão?

Por Claudinei Poletti – Advogado

Pense naquele adolescente no auge dos seus dezessete anos, imaginando que é dono do mundo e ingressando na faculdade de direito (aí ele passa a ter certeza de que é dono do mundo). Passadas as duas semanas de trotes, claro nos tempos pré-mimimi e nas faculdades raiz, é apresentado às novidades da faculdade que lhe abrirá muitos caminhos (ele sinceramente acredita nisso). Nessas novidades está uma matéria (antigamente chamava cadeira) denominada IED – Introdução ao Estudo do Direito -. Dentre outras lições, será apresentado às normas jurídicas, seu conceito, formas de interpretação etc. Há outras, mas uma das principais normas jurídicas no Brasil é a Lei, que, como as demais normas jurídicas, “são regras de conduta de aplicação geral e abstrata, emitida pela autoridade competente do Estado, com o objetivo de regular as relações entre os indivíduos e entre estes e o Estado”.

A “generalidade e abstração’ significa que não se aplicam à determinada situação específica ou a pessoas (físicas, empresas, cooperativas etc.). Ainda em IED nosso personagem será apresentado aos métodos de interpretação das normas, sendo os principais, mas não únicos, os métodos de interpretação gramatical, lógico, sistemático, histórico e teleológico. Passados os cinco anos de faculdade e já na “ativa”, advogando, demonstrando confiança dos recém-formados, é apresentado a decisões como a recentíssima do STJ, que, a propósito, está sendo bastante divulgada, cujo principal é argumento é o seguinte:

O ato de concessão de crédito realizado entre a cooperativa de crédito e seu associado está dentro dos objetivos sociais da cooperativa, devendo ser considerado como ato cooperativo e, portanto, não sujeito aos efeitos da recuperação judicial”. Como assim? A Lei não é geral e abstrata, aplicada ao caso concreto, de acordo com as peculiaridades de cada caso? A interpretação da Lei é somente gramatical? Ora, é pueril demais esse tipo de interpretação e apavorante, vindo da principal Corte Infraconstitucional do país, mas é exatamente isso que se tem no momento: se a Lei fala em atos cooperativos e qualquer relação entre cooperativas e seus associados é ato cooperativo, não há qualquer discussão passível. Se a questão for um pouco ampliada, poder-se-á constatar, em casos específicos, mas muito comuns, que o “ato cooperativo” foi efetivado através de uma CCB – Cédula de Crédito Bancário -, que, por sua vez, é de emissão exclusiva de instituições financeiras, ou entidades a elas equiparadas, conforme artigo 26 da Lei 10.931/2004: “A Cédula de Crédito Bancário é título de crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade”.

Agora deu “tilt” na cabeça do nosso nobre advogado iniciante. Uma lei é melhor que a outra? Mais bonita? Mais “cheirosa”? Mas aí ele lembrará que as leis têm hierarquia e, voltando ao IED, saberá que normas especiais têm primazia sobre normas gerais. Mas e quando ambas são normas especiais? Agora complicou de vez. Se nosso ex-adolescente, ex-estudante de direito a atual advogado iniciante ainda estiver nos vinte e poucos anos, o melhor conselho a ser dado: volta para faculdade, tenta medicina, arquitetura, computação etc. Se já não estiver mais nessa faixa etária, melhor se acostumar e aprender algo que nenhuma faculdade ensinará: neste país a hierarquia das leis se dá por quem tem maior lobby.

Voltando à decisão em si, é, para se dizer o mínimo, preguiçosa, haja vista que se a interpretação da norma for apenas gramatical, o Judiciário perde suas principais funções que são a interpretação e aplicação da norma (geral e abstrata) ao caso concreto. Fato é que tem se falado muito em insegurança jurídica, mas nada, absolutamente nada, causa maior insegurança jurídica do que leis ruins. E a Lei 14.112/2021, que alterou substancialmente a Lei 11.101/05, a Lei e Recuperações e Falência, não é apenas ruim, é péssima. E o resultado aí está, insegurança total. E aqui nada contra as cooperativas, pelo contrário, mas essa estipulação em si, é absurda, haja vista que a grande maioria das cooperativas atua como verdadeiras empresas, ou bancos, com muito sucesso, o que é um mérito inegável.

Das 20 (vinte) maiores empresas do agronegócio brasileiro, 06 (seis) são cooperativas, ou seja, 30% (trinta por cento). Em Mato Grosso do Sul, a segunda maior empresa dentre todos os setores é uma cooperativa, a Copasul.  No vizinho Goiás, a COMIGO é a maior entre todas as empresas do Estado.  Evidentemente que existem méritos nisso, mas dizer que cooperativas se agigantam dessa forma, sem ter objetivo de lucro, é absolutamente risível. Porém, quando o assunto é recuperação judicial, as “frágeis” cooperativas não podem participar, sob pena de serem liquidadas. E se a empresa não puder passar pelo processo de reestruturação, as cooperativas vão querer privilégios na falência?

E tem ainda o princípio da preservação da empresa que deveria se sobrepor a questões específicas. Mas, de acordo com nossos legisladores, qualquer empresário brasileiro, como ocorre no restante do mundo democrático, pode se socorrer da lei para não falir, claro, se não possui dívidas com cooperativas, não tiver emitido CPR física, não tiver débitos com garantia de alienação fiduciária, não tiver usado recursos para compra de terras, não tiver renegociado débitos oriundos de recursos controlados e, claro, não for torcedor do Flamengo (como não ocorre no restante do mundo democrático). Enfim, que se mude os ensinamentos da IED ou que se tente mudar a cabeça dos julgadores. Mas há esperança, afinal, é apenas uma decisão do STJ, há muitas em sentido contrário no Brasil, além do que, como se sabe, decisões no Brasil têm a estabilidade de um técnico de futebol na série A.

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